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terça-feira, 29 de março de 2011

Solipsismo



“Se uma árvore cair na floresta, e não existir ninguém por perto para ouvir 
o ruído causado pela sua queda, será que a árvore existe?”


Portanto, solipsista é aquela pessoa que, como sujeito pensante, não afirma qualquer outra realidade além de si próprio. Naturalmente que nunca existiu, na filosofia, um solipsista puro; mas existiram algumas formas atenuadas de solipsismo.
Posto isto, vamos ao que interessa.

Se o barulho é uma sensação, esta tem uma causa. No mundo sensível (que é o mundo da física de Newton e Einstein), os fenómenos físicos estão sujeitos a um determinismo (o que não acontece da mesma maneira no mundo quântico, mas agora não vem ao caso).
Um exemplo: na ética cada ser humano tem uma sensibilidade própria em relação a ela (existem criaturas humanas que nem sequer são capazes de sentimentos empáticos, e contudo, a ética terá que existir para eles também), as regras da ética têm que ter em conta não a subjectividade individual, mas a “intersubjectividade” ou “subjectividade colectiva”.
A noção de intersubjectividade foi introduzida pela fenomenologia (Husserl) , segundo a qual existe um “tecido” 
de relações
 anterior e preliminar à definição dos sujeitos unidos por tais relações — o que significa que um sujeito não está sozinho mas unido a priori ou à partida a um tecido ou rede de sujeitos. Através da intersubjectividade, os sujeitos comunicam num idêntico nível da realidade. Quando eu estou a escrever isto e a tentar comunicar, parto do princípio de que o leitor vai apreender o sentido do texto — não literalmente segundo a minha subjectividade, porque isso seria impossível na medida em que existem dois sujeitos analisando o mesmo texto; mas pelo menos existe a possibilidade de uma comunhão intersubjectiva sobre algumas ideias do texto.
O género humano apareceu no planeta Terra há cerca de 2 milhões de anos, e a espécie humana moderna há cerca de 130 mil anos. Antes de existir ohomo sapiens sapiens, não existiam “árvores que caíam na floresta” ? Antes de o género humano aparecer na Terra, não existiriam outros animais com tímpanos (por exemplo, o macaco) ? Será que um surdo pode afirmar, com toda a legitimidade e racionalidade, que os barulhos não existem porque ele não os ouve, e ainda assim ter razão ?
As vibrações do ar, que produzem os sons da natureza, são traduzidas ou interpretadas pela nossa mente, mas essas vibrações do ar existem independentemente da percepção da nossa mente. Dizer o contrário disto é um exercício de solipsismo.

Vamos ver agora uma outra versão do problema.
“Se uma árvore cair na floresta, e não existir ninguém por perto para ouvir o ruído causado pela sua queda, 
será que a sua queda causa ruído?”
  1. A pergunta / proposição parte de um princípio: o de que a árvore existe — quando pergunta: “Se uma árvore cair na floresta (…)”. Portanto, é assumido que a árvore existe. O problema é saber se a sua queda causa ruído.
  2. Quem diz que o ruído da queda da árvore só existe na medida em que é percebido pelos sentidos (neste caso, a audição) parte do princípio de que os ultra-sons e os infra-sons, que são percebidos pelos cães, por exemplo, no primeiro caso, e pelas baleias, no segundo caso — mas que não são percebidos pelo aparelho auditivo do Homem — não existem. Os ultra-sons e os infra-sons são assim entendidos como concepções ilusórias, coisas que não existem porque não podem ser entendíveis pelos sentidos humanos.
  3. Não pode haver, na abordagem desta proposição, uma separação entre a ciência e a filosofia. Vou mais longe: qualquer teoria filosófica que não tenha em atenção a ciência, por mínima que seja essa atenção, descamba em delírio interpretativo da realidade. Isto não quer dizer que a ciência contenha em si a verdade; quer apenas dizer que a verdade também se encontra na ciência. Porém, não podemos utilizar argumentos científicos — como é o caso da proposição/pergunta — de uma forma subjectiva; a ciência é objectiva. O que a ciência nos diz é que todas as leis da física, necessárias para que o ruído (da árvore que cai) seja ouvido, existem, com excepção da adaptação do nosso aparelho auricular para o ouvir (neste caso concreto da “árvore na floresta”.
  4. Por outro lado, não podemos partir do princípio de que todos os aparelhos auriculares de todos os seres humanos são iguais, e excluir qualquer possibilidade de existirem fenómenos extraordinários de audição. A ciência pode provar que uma coisa existe, mas não pode provar que uma coisa não existe ou não possa existir. Quando se diz que “é impossível ouvir o ruído daquela árvore que cai na floresta”, parte-se de um pressuposto acientífico: o de que se pode provar que uma coisa não existe ou que existe a impossibilidade de uma coisa acontecer — coisa que a ciência não pode fazer.
  5. Portanto, a proposição/pergunta parte de um princípio científico para elaborar uma teoria subjectivista. Ela é falaciosa.
  6. A proposição / pergunta poderia ser analisada à luz da filosofia quântica que implica um não-determinismo nos processos da “não-localidade” quântica. Mas esta abordagem não se coloca, porque a proposição baseia-se e tem apenas em conta as leis da física aplicáveis, de uma forma determinista, no mundo macroscópico ou macrocosmos.
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